Quando eu era menina e sentia medo, no lugar de chorar, ficava com raiva.
Na noite em que descobri o baú de minha avó, eu estava em Santos. Trovejava muito.Apavorada, comecei a gritar que odiava o mar. Foi quando minha avó me chamou e disse.
-Minha neta, você sabia que eu tenho um baú cheio de segredos?
-Como assim? Onde?
-Lá no fundo da garagem.
Pronto. Nada como a curiosidade para espantar o medo. Na garagem, vovó o abriu e retirou de dentro dele uma espécie de régua.
-Você sabe o que é isso?
-Uma régua esuisita - respondi.
-Não, isso é uma palmatória. Quem errasse na escola levava uma batida na palma da mão.
-Não acredito! E por que a senhora guardou este treco horrível?
-Pra lembrar que a gente precisa ser mais forte do que as injustiças.Olhe... meu dedal preferido. Foi com ele que eu costurei esta roupa - e ela me mostrou um vestido com uma espécie de short por baixo.
-Você jogava tênnis, vovó?
-Não, isso é um maiô!
-Você nadava de vestido?
-Sim, e era considerada atrevida. Mas foi assim que conquistei seu avô.
-Nadando de roupa?
-Eu vinha de família pobre.Seu avô, não. Ele lia, gostava de dançar.
-E de nadar também?
-Sim, e por isso fiz este maiozinho. Corri até a praia de chapéu. Seu avô estava tomando sol. Fingi que tinha perdido o chapéu no mar. Ele, como era um cavalheiro, veio me ajudar. O chapéu foi parar no fundo. Então apostamos uma corrida para ver quem o apanhava. Ele gostou da minha ousadia.
-Foi assim que vocês começaram a namorar?
-E logo me casei. Guardei o dedal pra lembrar que a gente precisa tecer a felicidade, e o maiô, porque um pouco de coragem não faz mal a ninguém. Olhe esta caixinha de música. Seu avô me deu quando você nasceu. Não é linda?
Vovó mostrou para mim outros objetos e assim fui descobrindo que se não fosse o mar, que eu temia, não haveria o encontro de meus avós e que viver é saber perder o medo de tudo o que a gente nunca espera e nunca vai conseguir controlar.
Conto de Heloisa Pietro
Fonte: Era uma vez , Vol 04, Nova Escola.
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